Publicado em 01 de set de 2017 por Artur Batista

“Em alguns dias, chegar ao fim do dia é uma grande vitória.”

Às vezes não sabemos lidar com todas as coisas que nos machucam. Então, já cansados da dor, olhamos para os lados em busca de qualquer saída, porta ou brecha que possa nos tirar do chão no qual caímos. Aí, mesmo com a visão turva, conseguimos enxergar que temos inúmeras escolhas. Mas são nelas que o perigo mora. São elas que decidem se vamos nos levantar do sofrimento sem estendê-lo para outras pessoas, ou se sequer iremos levantar. E é isso que Jennifer Brown nos apresenta de forma bastante objetiva em seu romance de estreia, A Lista Negra. A obra aponta situações como suicídio e bullying de maneira responsável e conscientizadora, abordando a história de Valerie Leftman, uma garota de 16 anos que viu o próprio namorado se tornar um assassino. Por ela.

Nick Levil não era só o namorado esquisito e obcecado pela morte que lia Shakespeare e sabia sempre o que dizer em qualquer situação, era o melhor amigo de Valerie e dono do melhor abraço do mundo. E como em toda história de amor não podem faltar empecilhos, aqui eles têm o maior inimigo de adolescentes que não se adequam aos padrões que já conhecemos: o bullying. Embora Nick nunca tenha, de fato, dado bola para valentões como Chris Summers, Val pôde perceber que nos últimos tempos o garoto estava reagindo diferente às provocações. Já não ficava apenas com raiva, mas com uma raiva apenas sua, calada, pensativa, que geralmente resultava em olhos molhados e na desistência de encontros com a namorada.

Por outro lado, sem poder fugir da pessoa excêntrica que era, a Irmã da Morte — carinhoso apelido que Valerie recebeu das garotas populares do Colégio Garvin — também sofria situações difíceis, principalmente as que envolviam Chirsty Bruter. Consequentemente, num ápice de inconformismo, Val resolve jogar em um diário os nomes de todas as coisas e pessoas que, de alguma forma, lhe fizeram mal até ali. Nick logo se apaixona pela ideia, e toda a tragédia que sustenta a história começa a se formar.

“Em um dia péssimo para mim, tudo o que eu queria era devolver o mal para cada um daqueles que estavam estragando o meu dia. Então, tive a ideia de escrever seus nomes em um caderno, como se aquele caderno fosse uma espécie de boneco de vodu ou coisa parecida. […] É minha Lista Negra.”

Quando Christy ultrapassa todos os limites e quebra o MP3 Player de Val no ônibus que as levava ao colégio, a garota não pensa duas vezes em contar a Nick o acontecido, esperando que o namorado dê um bom susto na valentona. Bem, ele deu. Mas não foi apenas um susto: Nick. Aquele Nick. Que tanto fazia bem a Val, que tanto se empolgava ao falar de Hamlet, que trouxe paz num mundo cheio de pais divorciados, de apelidos e provocações desumanas por todos os lados, de garotas estúpidas que quebravam seu aparelho MP3 por pura diversão. Aquele Nick… deu início a um verdadeiro massacre na cantina do Colégio Garvin. E todas as vítimas que o jovem acertou sem hesitar antes de atirar em si próprio, estavam na Lista Negra de Valerie.

“As pessoas fazem isso o tempo todo – acham que “sabem” o que está passando na cabeça de alguém. Isso é impossível. É um erro achar isso. Um erro muito grande. Um erro que, se você não tiver cuidado, pode arruinar sua vida.”

Temas como suicídio e assassinato sempre foram bastantes delicados. Tão delicados que, abordá-los de forma leviana apenas para chamar atenção da mídia ou de determinado público, não é só uma tremenda irresponsabilidade, mas uma total falta de sensibilidade e respeito por todos aqueles que presenciaram tais situações em momentos muito mais concretos que páginas de um livro ou episódios de uma série de TV. Por isso me admirou o modo como Jennifer tratou de problemas como esses sem, de forma alguma, romantizá-los. Aqui, a autora não lista razões para cometer um suicídio ou um massacre em uma escola: ela entra na mente de cada personagem, nos mostrando toda a vulnerabilidade que paira sobre as vítimas da tragédia e seus familiares, deixando visível o quanto é possível recomeçar mesmo em meio ao pior dos acontecimentos.

Jennifer também se preocupou em inserir um leve alívio cômico na narrativa. A personagem Bea surge como um lenço que enxuga as lágrimas de Valerie através da arte. A personalidade da estranha mulher consegue divertir o leitor a ponto de lhe fazer pensar sobre o poder curativo da expressão artística e, principalmente, sobre a subestimada capacidade de perdoar. Embora a artista tenha aparecido apenas na parte final do livro, conseguiu despertar em Val o desejo de enfrentar seus medos. Desejo esse que também foi impulsionado por outras pessoas ao redor da garota, como sua antiga inimiga, Jessica Campbell, e o “cambalhotista” doutor Hieler, seu psiquiatra.

A Lista Negra, publicado no Brasil pela editora Gutenberg, tem se mostrado como um dos melhores young adults da última década, levantando importantes discussões ao redor do mundo e abrindo mentes que outrora se fecharam para temas tão polêmicos e envoltos por inúmeros tabus. Merece ser lido e relido, até que possamos começar a enxergar as pessoas como a corajosa Valerie o faz desde que viu sua vida desmoronar ao disparo de uma arma.

“O tempo nunca acaba. Como sempre há tempo para a dor, também sempre há tempo para a cura.”

 

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