Publicado em 23 de abr de 2018 por Carol Mendonça

Há apenas alguns dias da segunda temporada da série de maior sucesso de 2017, vale relembrar (e celebrar) a primeira temporada de The Handmaid’s Tale. 

Baseado no livro O conto da Aia, escrito por Margaret Atwood em 1985, a série segue a história de Offred, uma Aia – uma mulher fértil que teve sua identidade e liberdade roubadas. O mundo distópico em que a história se passa brota de uma crise que deixa as mulheres inférteis e Gillead (antigo EUA) consegue sair da crise ao instituir um governo autoritário e teocrático, em que as poucas mulheres férteis desse mundo se tornam Aias, que são cerimonialmente estupradas pelos homens mais poderosos dessa sociedade, para carregar seus filhos.

Essa história não é a coisa mais original do mundo, enredos semelhantes já foram usados em Children of Men e mesmo Logan. Mas a abordagem de Atwood leva o roteiro para rumos muito diferentes: a autora faz saltos de lógica que seriam muito óbvios na realidade. Isso não é só impressão: segundo a autora, todos os métodos usados na série já existiram em determinados momentos e determinadas sociedades, o que faz da história ainda mais assustadora.

Embora a série tenha um background histórico e filosófico riquíssimo, hoje focaremos no lado artístico da série da Hulu. Mais especialmente em um ponto: como a violência é filmada.

E não se engane: apesar da aparência asseptica, sobra violência em The Handmaids Tale. Como a série segue um grupo de Aias, é a dor de serem tiradas de suas famílias e reduzidas à um útero fértil que é o motor para a série. Não é o fato de haver violência e abuso que a diferenciam – afinal, temos Game of Thrones –, mas sim como isso é filmado.

Sexualizar a violência (particularmente o estupro) parece epidêmico e bastam alguns cliques no navegador para chegar a imagens assustadoras que excluem a visão feminina sobre o assédio. Da romantização de relacionamentos tóxicos (Arlequina e Coringa, por exemplo) à violências menores e menos perceptíveis (como a mulher-troféu de tantas histórias), um dos casos que mais me marcou foi a cena de abuso sexual na segunda temporada de Sword Art Online, em que a protagonista feminina é violentada pelo vilão.

Caso não tenha ficado óbvio, essa não é a maneira correta de mostrar uma cena tão chocante. Aquela é a nossa heroína e a dor dela é sexualizada, seu sofrimento minimizado, o nosso olhar é dominador. A cena, que deveria enojar o espectador, parece servir mais para excitá-lo.

Agora, para comparar, vamos ver como funciona uma cena de estupro em The Handmaids Tale.

Fria, sem som de fundo e mecânica, a cena é horrível, porque o espectador, assim como a personagem de Offred, não consegue sair da situação. Apesar de serem cenas muito pouco gráficas, são agonizantes e desconfortáveis.

Grande parte dessa violência, é claro, só funciona graças à atuação de Elizabeth Moss. Há planos tão fechados em que a câmera está a apenas alguns centímetros do rosto da atriz, nos familiarizando com a personagem e com o mundo que ela vive – um mundo em que ela não pode ver, ou agir livremente. Esses momentos tão subjetivos com certeza fazem com que simpatizemos com Offred e ao vermos o mundo através dos olhos dela, podemos viver a experiência fragmentada que ela mesma viveu, fugindo para o passado muitas vezes.

Mas há cenas oniscientes e sem qualquer personalidade, o exato oposto da subjetividade que é tão presente na narrativa de Morano. Isso fala muito de como a história é contada: cada um dos personagens sofre um tipo de violência que afeta-os de maneira muito particular e é dessa particularidade que a maioria das cenas falam; Mas a série não é só sobre a subjetividade, porque não é o objetivo que você simpatize com um e outro: não estamos falando da  humanidade por trás daquela violência, e sim de uma violência estrutural que prende todas essas pessoas.

Ao mostrar como a violência é estrutural – mostrando o sofrimento individual, personagem por personagem, e escalando lentamente para uma sociedade inteira – Handmaid’s Tale consegue mostrar não só um espectro de bem-e-mal maior do que estamos acostumados, mas faz o caminho reverso: como o indivíduo e suas ações conseguem ter um impacto que pode mudar a sociedade em que ele está inserido.

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