Os fãs e entusiastas aumentavam a expectativa a cada nova divulgação do filme, e convenhamos, o seu marketing – e em torno dele – foi simplesmente excepcional, foi tão bem planejado e executado que o filme se tornou um sucesso instantâneo, seja com filtros disponibilizados nas redes sociais; com simples imagens promocionais de Margot Robbie e Ryan Gosling com roupas coloridas e reluzentes ou andando de patins; teasers exclusivos com referências a clássicos do cinema; ou notícias e curiosidades relacionadas aos bastidores do longa. Já os menos interessados ou atualizados no mundo cinematográfico relacionam o nome “Barbie” a filmes infantis animados ou a ideias supérfluas e desinteressantes.
Seja fã ou não, tenha brincado com a boneca na infância ou não, é difícil encontrar alguém que não conheça a marca ou não tenha uma opinião formada sobre ela.
Ao pensar em Barbie, logo pensamos na sua essência, algo infantil, para crianças. Um objeto. Indo mais a fundo, pensamos na boneca que representa um padrão socialmente construído e reforçado constantemente ao longo dos anos. Um padrão estereotipado – a mulher loira, magra, relativamente alta, de olhos claros, perfeita – e sem estrias. No live-action, não é diferente. Pelo contrário, o filme abraça os estereótipos e problematiza temáticas estruturais à medida que interliga o universo da Barbielândia – o mundo perfeito – com o mundo real – que conhecemos bem –, reforçando a linha de produtos desenvolvidas ao longo dos anos pela Mattel e empresas parceiras – até mesmo satirizando seus próprios produtos descontinuados, como por exemplo, Midge, uma versão grávida da boneca. Na época, considerada “muito madura para crianças”.
Vale destacar que inicialmente, antes da marca existir, as meninas possuíam “bonecas bebês”, mais infantilizadas. Isso reforçava a cultura da menina-mulher ter o papel de cuidadora e é onde já se inicia os primeiros contatos com a maternidade – em brincadeiras onde a boneca era vista como filha. Naquela época, as mulheres não possuíam tantos direitos conquistados como nos dias atuais e trabalhar fora de casa então estava fora de questão. Nesse contexto, em meados de 1959, que surge a Barbie, – claro, inicialmente apresentada com maquiagem, salto alto e… maiô preto e branco – após o grande sucesso da boneca, surgiram mais derivações como fashionista, profissões, sereia, color reveal e todo seu universo posteriormente. Despertando não apenas a criatividade nas crianças, mas também a identificação e as múltiplas possibilidades em diversos aspectos, seja no estilo com roupas diferentes ou cabelos coloridos e até no mercado de trabalho, ocupado predominantemente apenas por homens. E assim a Barbie é apresentada, como já destacado em um teaser divulgado anteriormente. Para os cinéfilos mais atentos é nitida a iconica referência do teaser com o clássico 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968) de Stanley Kubrick.
Em Barbieland, um mundo mágico e perfeito, todas as versões da Barbie e Kens (e outros bonecos do universo como Skipper, Midge, Tereza e Allan) vivem em harmonia. Nele não há problemas; há apenas a pacata rotina dos moradores, grandes festas na mansão Dream House e todos exercendo suas profissões diariamente. Durante um dia inicialmente banal, a Barbie conhecida como Barbie Estereotipada (Margot Robbie) desenvolve pensamentos e sentimentos incomuns para uma boneca. Assim, seu dia se desenrola de forma diferente, saindo do perfeito idealizado de todos os outros dias. Buscando a perfeição anterior, ela precisa encarar o mundo real com todos seus problemas e indiferenças a fim de entender o que está acontecendo consigo mesma. Acompanhada do seu par Ken (Ryan Gosling), cuja única função é admirá-la e ser notado pela Barbie, ambos partem em busca de respostas e conhecimento.
A premissa, apesar de simples, é desenvolvida de maneira surpreendente que amplia nosso olhar para conceitos como: perfeição, papéis de gêneros e o sistema patriarcal. A visão de Greta Gerwing também é um grande destaque, a diretora de Adoráveis Mulheres (2019) e Lady Bird (2017) tem um estilo único de direção que se destaca por sua habilidade em criar personagens femininas fortes, complexas e realistas, e em Barbie não é diferente. As mulheres se destacam na personalidade e em uma sororidade quase que inquestionável – talvez seja mais um empurrãozinho, dos muitos que o filme nos da, para nós, telespectadores, nos conscientizarmos no aqui dito “mundo real”.
Toda direção de arte e trilha sonora merecem destaques. O universo é muito bem detalhado e tudo foi um influenciador para tal, seja a forma de se movimentarem, as cores, formas geométricas, casas, carros ou acessórios – destaque para a apresentação dos figurinos exclusivos das bonecas. Os personagens, por serem retratações de bonecos, não demonstram tantas emoções físicas ou corporais, algo que se contrapoem com as palavras e formas de se expressar por meio de canções e coreografias, por exemplo, um ponto positivo. Além disso, a produção revive uma nostalgia leve sobre a infancia, a cultura pop e readapta grandes cenas do cinema, tornando nitida a inspiração das diversas produções que o longa teve.
Mesmo que ainda distante da realidade, Barbielândia abre espaço para debates e problematizações de temas estruturais – muito bem conhecidos e vividos principalmente por nós mulheres. E Barbie (2023) abre espaço para mais filmes quebrarem a quarta parede com ideias inteligentes, e com a conscientização de marcas e das produções identificarem seus próprios erros e quem sabe corrigi-los.