Overview
Falar sobre cinema nacional é sempre um pouco difícil, pois em maioria o público tem uma visão negativa das produções do próprio país, muitas vezes motivada por preconceito. Não posso, no entanto, condenar os que o fazem, pois eu mesmo não escapo desse senso comum. Isso ocorre principalmente porque a cena nacional é predominada por filmes genéricos de comédia, que (nesses últimos anos) seguem um padrão estético muito similar, fazendo com que todos pareçam iguais. Por outro lado, temos também excelentes filmes de menor expressão que trazem uma crítica social ou uma história que impressiona e choca o espectador, mas que não alcançam o mesmo destaque por fugirem do formato ao qual o público se acostumou.
Mas há de se destacar também alguns filmes do próprio circuito de cinema comercial, que conquistaram o sucesso ao mesmo tempo que se mostraram obras de qualidade, com gêneros e formatos diferentes do padrão. Tropa de Elite 1 e 2, Cidade de Deus e Auto da Compadecida (ainda uma comédia, mas com um formato diferente que agrada a muitos até hoje). Em 2017, o cinema nacional tem trazido obras que vão além do gênero predominante no nosso cenário (a comédia), como Real – O Plano Por Trás da História, O Rastro, O Filme da Minha Vida e até mesmo Malasartes e o Duelo com a Morte (que mesmo sendo predominantemente uma comédia, se destaca por seus efeitos visuais e uma cara nova para o gênero). E é nesse novo cenário que temos Bingo – O Rei Das Manhãs.
O filme traz um padrão narrativo diferente para o circuito comercial, sabendo equilibrar muito bem seu humor e drama, sem exageros. Bingo traz a história de Augusto, um artista que sonha com seu lugar sob os holofotes. A grande chance surge ao se tornar “Bingo”, um palhaço apresentador de um programa infantil na televisão que é sucesso absoluto. Porém, uma cláusula no contrato não permite revelar quem é o homem por trás da máscara. Augusto, o “Rei das Manhãs”, é o anônimo mais famoso do Brasil. Com muita ironia e humor ácido, ambientado numa roupagem pop e exagerada dos bastidores da televisão nos anos 80, o filme conta essa incrível e surreal história de um homem em busca do reconhecimento da sua arte.
Além desta sinopse o filme pode ser encarado como uma Cinebiografia de Arlindo Barreto, um dos intérpretes do palhaço Bozo no programa matinal homônimo da televisão brasileira durante a década de 1980. Por questões de autorização, alguns nomes foram modificados para o filme, como Bozo que virou Bingo, a TV Globo que virou Mundial, o SBT que virou TVP e Xuxa que virou Lulu. Mas a história e os elementos trazidos no filme indicam muito bem a que cada um deles se refere.
Durante o filme somos capazes de ver como era o mundo dos bastidores na televisão durante os anos 80, com sua loucura, excessos e até alguns pontos bizarros (o que provavelmente não chega a diferir muito da realidade atual), além de mostrar como as pessoas agem neste mundo televisivo. Dessa forma o filme segue sua história, mostrando o relacionamento de Augusto e seu filho numa relação que acaba se perdendo, com o aumento da fama do palhaço. É meio clichê, porém o filme trabalha bem e consegue trazer uma nova roupagem a esta velha história, com outros motivos que acrescentam à narrativa.
Daniel Rezende, em seu primeiro trabalho como diretor, consegue fazer jus ao seu cargo. Os outros departamentos, que trazem nomes como Beto Villares (música e trilha sonora), Cassio Amarante (Direção de Arte), Lula Carvalho (Direção de Fotografia), Anna Van Steen (Figurino) e Márcio Hashimoto ( Montagem), conversam muito bem, sem destoarem. Ponto também para a relação de todos esses com o texto de Luiz Bolognesi, e para o próprio trabalho do roteirista.
Preciso falar de Vladimir Brichta. O ator consegue criar um excelente personagem, dividido entre a tentativa de ser um bom pai e filho para sua mãe, mas ainda assim um cara com vícios e desejos de sucesso. Mesmo quando ele perde sua posição de superioridade, Brichta consegue entregar o drama necessário. Bingo definitivamente será um dos papéis a marcarem sua carreira. Todo elenco de apoio também está muito bem. Assim como a equipe técnica que está na medida, o elenco como um todo não deixa a desejar.
Bingo – O Rei Das Manhãs consegue se estabelecer com uma bela obra cinematográfica, se equiparando a outros grandes filmes do nosso circuito comercial. Sua abordagem sobre os bastidores da televisão está para o retrato que Tropa de Elite faz sobre a policia e política, cada um à sua maneira, e ambos se saindo bem na sua proposta narrativa. O filme mostra, desse modo, que nosso cinema pode sim trabalhar com novos e velhos elementos para criar uma nova estrutura cinematográfica.