Publicado em 01 de ago de 2022 por Mayara Armstrong

Quem tem medo?

20221 h 10 min
Overview

“Quem tem medo?” é um longa-metragem documental que narra a ascensão da extrema direita no Brasil a partir da perspectiva de artistas e suas obras censuradas.

Metadata
Director Dellani Lima, Henrique Zanoni, Ricardo Alves Jr.
Runtime 1 h 10 min
Release Date 31 março 2022
IMDb Id tt18289312
Images
Actors
Starring: Renata Carvalho

“Quem tem medo?” é um longa-metragem documental que narra a ascensão da extrema direita no Brasil a partir da perspectiva de artistas e suas obras censuradas.

O documentário é uma crítica a ascensão do fascismo no país e seus impactos, principalmente nos grupos considerados minoritários – como a população LGBTQIA+.

Ao longo do filme, acompanhamos como os mecanismos de censura deixaram de ser explícitos e foram introjetados de forma sutil na sociedade: assédio judicial, enfraquecimento de mecanismos de controle, aparelhamento ideológico, estrangulamento financeiro, campanhas de difamação, entre outros. Além disso, nos aproximamos das terríveis consequências nas vidas desses artistas decorrentes da violência a que foram submetidos.

Quem não soube da performance “La Bête“, no MAM de São Paulo, idealizada por Wagner Schwartz? Nessa performance, o público pode manipular o corpo nú do artista, tocá-lo, movimentá-lo, realizar posições diversas e o artista nada faz, apenas deixa-se ser conduzido. Apresentada diversas vezes no Brasil e na Europa.

Foi divulgado uma imagem de uma criança tocando o corpo – mais precisamente o pé – de Wagner. Mesmo não sendo uma peça recomendada para crianças, e os responsáveis por ela os levaram na peça.

De forma negativa, totalmente distorcida e fora de contexto, Wagner viralizou. Foi alvo de críticas de diversos políticos, lideranças religiosas e organizações. Wagner foi chamado de monstro e pedófilo, recebeu ameaças de morte e teve que deixar o país. Um inquérito foi aberto pelo Ministério Público de São Paulo para apurar se houve crime – mesmo sem provas, e, claro, sem crime.

“La Bête”, idealizada por Wagner Schwartz.

Todas essas figuras se aproveitando da situação – ou para lucrar, quem sabe se esconder, ganhar tempo, ou talvez por pura diversão -, a custas de uma vida – que poderia ser perdida por qualquer pessoa que se denomina como justiceiro nos dias atuais. A falta de informação, extremo ódio e busca por defender uma moral idealizada também resultou em uma notícia sobre a morte por suicídio do artista – que não passou de mais uma idealização limitada desses ditos moralistas representada como fake news.

Um artista. Wagner Schwartz. Apresentando uma performance. Nú, de corpo e alma. A disposição do seu público. Sendo olhado, tocado, conduzido. Poderia estar em qualquer posição que o deixarem. De forma vulnerável, escancarava a vulnerabilidade dos telespectadores.

Essa foi apenas uma das obras censuradas retratadas no documentário.

A Mulher Monstro, de Jose Neto Barbosa. Uma releitura do espetáculo de terror Monga – a mulher gorila, conhecida pelas apresentações em parques de diversões brasileiros. Adaptada na peça por uma “Mulher Monstro” e apresentada como drag queen. A mulher monstro nada mais é que uma mulher de direita, tradicional, bela, recatada, do lar e defensora dos bons costumes. Como ousaria um LGBT representar a primeira-dama? Repleto de críticas e sátiras, com roteiro realístico encharcado com as melhores crenças do politicamente incorreto a luz do fascismo atual.

José Neto Barbosa, relata que em uma das suas apresentações atacaram uma pedra no palco em uma tentativa frágil de acertá-lo. Viaturas da polícia rondavam o quarteirão com sirene ligada, no clamor do ego feriado, quando a verdade faz sentir.

“A Mulher Monstro”, idealizada por José Neto Barbosa.

Manifesto Transpofágico de Renata Carvalho é outra obra apresentada e censurada. Ela. Travesti. Narrando a historicidade da sua corporeidade. A “transcestralidade” do seu corpo. Corpo julgado, discriminado, violado, morto. Renata apresenta-se real, retratando um corpo travesti, apenas com uma roupa intima na parte inferior do corpo. Corpo esse que viveu muito tempo a margem, sinônimo de vulgaridade e promiscuidade. Através de imagens de pornografia da internet, cenas de pré-programas e demais recortes, Renata vai fundo na hipocrisia dos bons costumes. Renata foi protagonista de outra obra censurada, O evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu”, onde interpretava Cristo – a obra Especial de Natal do Porta dos Fundos, que também retratava um Jesus LGBT, aparece rapidamente no documentário.

DNA do Dan, idealizado por Maikon K. Outra obra censurada. Tão literal quanto simbólica. Um homem nú, envolvo com uma pele que descascava, dentro de uma bolha, estava asfixiando. Preso e morrendo lentamente, o homem tentava se libertar – da bolha e da pele – lutando consigo mesmo através dos movimentos.

Caranguejo Overdrive pela Aquela Cia de Teatro, RES PUBLICA 2023 por A Motosserra Perfumada, compõem as obras apresentadas no documentário, um pequeno recorte de todas as obras censuradas no Brasil.

“DNA do Dan”, idealizado por Maikon K.

Quem tem Medo? é um recorte, do recorte, de muitos outros recortes. De forma vulnerável, escâncara a vulnerabilidade de um país. Tudo isso potencializado pela ignorância, pelo conformismo, pela memória curta, a rápida propagação de informações falsas e linchamento gratuito.

Assistindo o documentário, torna-se nítido a resistência dos artistas desse país e a mensagem que nos deixam: Aqui, não há espaço para ter medo.

E, para mim, enquanto telespectadora, a indagação que fica é: Quem tem medo de quem?

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